Águias que pensam como galinha


Eu vivo trombando no supermercado aqui perto de casa, com um rapazinho de uns 20/21 anos, negro, que quase sempre passa por mim vestido com uma blusa escrita “Bolsonaro 2018”. Passa não, ele desfila orgulhosamente com ela.

Desde a primeira vez que o vi passar, confesso que fiquei intrigado e muito curioso pra conseguir entender, o que leva um rapaz negro a vestir uma blusa com a cara e frases em apoio a uma pessoa, que ofende seu tom de pele sistematicamente, sempre que colocam um microfone diante de sua boca. Porquê?

Em abril de 2017 Bolsonaro fazia uma palestras em um clube no Rio de Janeiro quando contou de uma uma visita que havia feito a uma comunidade quilombola:

"... o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas."

Ainda na palestra, disse também:

"Não fazem nada, eu acho que nem pra procriador servem mais”.

Ufa!

Para tentar clarear as ideias, recorri a uma daquelas pessoas, que vivem a contemplar o mundo com suas nuances e flagelos.

“Com efeito, os colonizadores, para ocultar a violência de sua conquista, impiedosamente desmoralizavam os colonizados. Afirmavam, por exemplo, que os habitantes da Costa de Ouro (hoje Gana) e de toda a África eram SERES INFERIORES, INCULTOS e BÁRBAROS. Por isso mesmo deviam ser colonizados. De outra forma, JAMAIS SERIAM CIVILIZADOS e INSERIDOS na dimensão do espírito universal.

Os ingleses reproduziam tais difamações em livros. Difundiam-nas nas escolas. Pregavam-nas do alto dos púlpitos das igrejas. E propalavam-nas em todos os atos oficiais.

O martelamento era tanto que MUITOS COLONIZADOS ACABARAM HOSPEDANDO DENTRO DE SI OS COLONIZADORES COM SEUS PRECONCEITOS. Acreditaram que de fato nada valiam.”

Leonardo Boff em a “A águia e a galinha – uma metáfora da condição humana”, tentando explicar a colonização de Gana, inicialmente por Portugal e a posteriori pelos ingleses.

O tal rapaz, que orgulhosamente usa a blusa Bolsonaro 2018 nas imediações do supermercado perto da minha casa, deve realmente acreditar, que tudo que ele fala à respeito de sua cor e de seus antepassados é verdade. Nossos crimes furam os séculos.


Escuro


Nada de amor ao obscuro.
Nada de preferir o desconhecimento.


A mesa chama um papo bom e enriquecedor. Não deseje não saber.


Não tenha medo de compreender. Permita-se descobrir, abrir a mente e se encontrar com o novo, com aquilo que um dia você tomou por desnecessário.


O acesso a informação tem trazido à superfície uma nova espécie de ser humano. Os que temem conhecer. Não os admire. Nunca


Busque o confronto das perspectivas variadas para a mesma leitura.


Afaste de si os que recomendam menos leitura e mais contentamento. Não são boas companhias no caminhar.


E por fim,


Morra amanhã, mas bem mais sábio que ontem. 



Qual a parte que você não entendeu?


A de que o que menos importa é multiplicar objetos ou a que fala da insignificância na purificação do corpo?

Atingimos o alvo quando estendemos as mãos e nos sentamos pra ouvir o fadigado. Ele se sente honrado com o fraco solidarizado.

O que importa é o que menos importa.
O que importa é o que menos importa.

Mas qual a parte que vc ainda não entendeu?

A de que o proibido é, muitas das vezes, uma armadilha dos homens para a seleção dos seres ou a de que o exterior é só mentira?

Somos perfeitos ao aceitarmos os que nos parecem imperfeitos, pois Ele é o princípio e no princípio fez tudo o que vemos. Agredir a criação é a agredir ao próprio Deus.

O que importa é o que menos importa.
O que importa é o que menos importa.

Não se importe tanto com o que eles dizem, por que eles não dizem nada.


Eu quero ver quando Zumbi chegar

Há uma música de Jorge Benjor, que Ellen Oléria canta divinamente, que me emociona muito e acho que tem tudo a ver com a data de hoje.

Nessa canção, há uma parte que acho fantástica: "eu quero ver quando Zumbi chegar", algo do tipo, "vc tá me batendo, mas espera só quando ele chegar" ou "vc tá me humilhando, mas espera só quando ele vier me defender."

Nesse dia 20 de novembro, essa canção ainda deve fazer sentido pra muita gente no meu país. Com toda a certeza, muitos negros como eu, nos momentos em que estão sendo explorados, humilhados, espancados, discriminados, vilipendiados, trapaceados, devem manter a esperança da chegada de um novo Zumbi. senhor da Guerra, senhor das demandas.

Meus conterrâneos, tenham esperança. Algo novo se avizinha e já podemos escutar a chegada de Zumbi.

Os muito religiosos

Sinceramente, tenho muito medo de pessoas muito religiosas. Elas conseguem ser facilmente enganadas e, por vezes, por tentarem ver o sobrenatural em tudo, esquecem-se do essencialmente material, prejudicando seus semelhantes.

Aquela tarde em BH



Nesta quarta-feira, 09 de julho de 2014, o Brasil se reencontrou com seus fantasmas. Velhos fantasmas.

Educação, saúde, segurança, corrupção e fome voltaram a fazer parte da pauta do Brasil mais uma vez, depois de quase trinta dias de copa do mundo.

Na tarde de ontem, no Mineirão, a seleção alemã fez de pseudo-heróis, meros jogadores de futebol. A nossa ficha finalmente caiu junto com a seleção canarinho e as piadas começaram a ser buscadas pelos mais extrovertidos, sedentos por um lado meramente cômico do desastre ocorrido em BH. Há de se ter um lado positivo em todo esse furdunço que virou o Brasil, alguns pensavam.

Os mais rancorosos, adentraram pelo caminho da violência. Notícias de todos os lados chegavam, trazendo informações sobre quebra-quebra, incêndio de ônibus, arrastão, o que nos mostra que alguns levam muito a sério algo que deveria ser sinônimo de descontração, alegria, união.

Mas também, aquela tarde em BH, um personagem já integrante em definitivo de nossa história, de fato e de direito, pôde encontrar JUSTIÇA. Seu nome, 
Moacir Barbosa Nascimento, ou simplesmente Barbosa, o goleiro que há mais de meio século vem sendo injustiçado por muitos.

Barbosa, falecido em 2000, foi o goleiro da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1950, também realizada em terras tupiniquins. Ele sempre é lembrado quando se aborda exemplos de situações vexatórias no futebol. Quem nunca ouviu falar no "Maracanzo"?

Negro, tímido, pobre, atleta do Vasco da Gama, primeiro time a dar oportunidade a jogadores negros no país, características que fazem de qualquer um, solo fértil para inescrupulosos agressores, Barbosa sempre carregou nos ombros a responsabilidade pela derrota do Brasil, na final da competição. Não defendeu o gol tido por muitos como defensável do uruguaio Ghiggia.

Barbosa, desde 1950 nunca teve uma oportunidade real de defesa que tenha sido dada pelos especialistas da pelota aqui por essa bandas. Quando falavam ou permitiam-no falar, deixavam sempre que pairasse a dúvida pela incompetência do arqueiro no lance e, sendo negro e nós racistas, jogávamos a culpa em Barbosa.  Alguns chegaram ao extremo de reputar desonestidade no lance. Afirmaram que talvez tivesse levado “algum” para falhar na meta brasileira naquela ocasião.

Ontem, ao ver a pomposa seleção brasileira em campo, com seu elenco milionário aos prantos, depois que o goleiro Júlio Cesar encaminhava-se para buscar a sétima bola no fundo de sua trave, tive a certeza de que Barbosa, se estivesse vivo, diria: “não me faltou empenho, não me faltou competência, me faltou sorte”.

Se em um estádio de mais de um bilhão de reais, super confortável, com grama importada e impecável, uma premiação milionária garantida a todos os envolvidos com a seleção, se com toda a estrutura de hotelaria, médico, massagista, uma seleção com dois técnicos campeões mundiais a sua disposição, psicólogos, fisioterapeutas, aqueles atletas deixaram que acontecesse o pior, o inimaginável, por que Barbosa, que fora surpreendido com uma bola cruzada, rasteira, chutada em um gramado totalmente irregular como era o gramado do Maracanã á época, deve ser condenado?

Barbosa, na realidade, deve ser tratado como um injustiçado, assim como, o também saudoso, Armando Nogueira já tentara reparar lá atrás, quando disse:

 Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera.”

Aquela tarde em BH, não pôs fim somente a angústia de um povo, que desde a primeira partida torcia contra a incompetência latente de uma equipe sem cara de vitória e cheia de promessas vindouras.

Aquela tarde em BH, trouxe não só choro, trouxe justiça e redenção a um dos atletas mais rejeitados e injustiçados desde que a bola passou a unir vinte e duas pessoas ao seu redor.
Naquela tarde em BH, o Brasil descobriu que a cela finalmente foi aberta e Barbosa, Moacir Barbosa Nascimentoum dos maiores goleiros do Brasil, foi convidado a deixa-la e em paz.

Barbosa, meu herói, ontem o Brasil foi dormir sabendo, que nunca lhe faltou empenho, nunca lhe faltou competência, lhe faltou sorte.

Siga em paz.