Os muito religiosos

Sinceramente, tenho muito medo de pessoas muito religiosas. Elas conseguem ser facilmente enganadas e, por vezes, por tentarem ver o sobrenatural em tudo, esquecem-se do essencialmente material, prejudicando seus semelhantes.

Aquela tarde em BH



Nesta quarta-feira, 09 de julho de 2014, o Brasil se reencontrou com seus fantasmas. Velhos fantasmas.

Educação, saúde, segurança, corrupção e fome voltaram a fazer parte da pauta do Brasil mais uma vez, depois de quase trinta dias de copa do mundo.

Na tarde de ontem, no Mineirão, a seleção alemã fez de pseudo-heróis, meros jogadores de futebol. A nossa ficha finalmente caiu junto com a seleção canarinho e as piadas começaram a ser buscadas pelos mais extrovertidos, sedentos por um lado meramente cômico do desastre ocorrido em BH. Há de se ter um lado positivo em todo esse furdunço que virou o Brasil, alguns pensavam.

Os mais rancorosos, adentraram pelo caminho da violência. Notícias de todos os lados chegavam, trazendo informações sobre quebra-quebra, incêndio de ônibus, arrastão, o que nos mostra que alguns levam muito a sério algo que deveria ser sinônimo de descontração, alegria, união.

Mas também, aquela tarde em BH, um personagem já integrante em definitivo de nossa história, de fato e de direito, pôde encontrar JUSTIÇA. Seu nome, 
Moacir Barbosa Nascimento, ou simplesmente Barbosa, o goleiro que há mais de meio século vem sendo injustiçado por muitos.

Barbosa, falecido em 2000, foi o goleiro da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1950, também realizada em terras tupiniquins. Ele sempre é lembrado quando se aborda exemplos de situações vexatórias no futebol. Quem nunca ouviu falar no "Maracanzo"?

Negro, tímido, pobre, atleta do Vasco da Gama, primeiro time a dar oportunidade a jogadores negros no país, características que fazem de qualquer um, solo fértil para inescrupulosos agressores, Barbosa sempre carregou nos ombros a responsabilidade pela derrota do Brasil, na final da competição. Não defendeu o gol tido por muitos como defensável do uruguaio Ghiggia.

Barbosa, desde 1950 nunca teve uma oportunidade real de defesa que tenha sido dada pelos especialistas da pelota aqui por essa bandas. Quando falavam ou permitiam-no falar, deixavam sempre que pairasse a dúvida pela incompetência do arqueiro no lance e, sendo negro e nós racistas, jogávamos a culpa em Barbosa.  Alguns chegaram ao extremo de reputar desonestidade no lance. Afirmaram que talvez tivesse levado “algum” para falhar na meta brasileira naquela ocasião.

Ontem, ao ver a pomposa seleção brasileira em campo, com seu elenco milionário aos prantos, depois que o goleiro Júlio Cesar encaminhava-se para buscar a sétima bola no fundo de sua trave, tive a certeza de que Barbosa, se estivesse vivo, diria: “não me faltou empenho, não me faltou competência, me faltou sorte”.

Se em um estádio de mais de um bilhão de reais, super confortável, com grama importada e impecável, uma premiação milionária garantida a todos os envolvidos com a seleção, se com toda a estrutura de hotelaria, médico, massagista, uma seleção com dois técnicos campeões mundiais a sua disposição, psicólogos, fisioterapeutas, aqueles atletas deixaram que acontecesse o pior, o inimaginável, por que Barbosa, que fora surpreendido com uma bola cruzada, rasteira, chutada em um gramado totalmente irregular como era o gramado do Maracanã á época, deve ser condenado?

Barbosa, na realidade, deve ser tratado como um injustiçado, assim como, o também saudoso, Armando Nogueira já tentara reparar lá atrás, quando disse:

 Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera.”

Aquela tarde em BH, não pôs fim somente a angústia de um povo, que desde a primeira partida torcia contra a incompetência latente de uma equipe sem cara de vitória e cheia de promessas vindouras.

Aquela tarde em BH, trouxe não só choro, trouxe justiça e redenção a um dos atletas mais rejeitados e injustiçados desde que a bola passou a unir vinte e duas pessoas ao seu redor.
Naquela tarde em BH, o Brasil descobriu que a cela finalmente foi aberta e Barbosa, Moacir Barbosa Nascimentoum dos maiores goleiros do Brasil, foi convidado a deixa-la e em paz.

Barbosa, meu herói, ontem o Brasil foi dormir sabendo, que nunca lhe faltou empenho, nunca lhe faltou competência, lhe faltou sorte.

Siga em paz.


O tempo e as jabuticabas


por Rubem Alves

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.

Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de
"confrontação", onde "tiramos fatos a limpo".

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não
debatem conteúdos, apenas os rótulos".

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

 O essencial faz a vida valer a pena.”



Invictus


por William Ernest Henley

Dentro da noite que me rodeia
Negra como um poço de lado a lado
Agradeço aos deuses que existem
por minha alma indomável

Sob as garras cruéis das circunstâncias
eu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas continua erguida

Mais além deste lugar de lágrimas e ira,
Jazem os horrores da sombra.
Mas a ameaça dos anos,
Me encontra e me encontrará, sem medo.

Não importa quão estreito o portão
Quão repleta de castigo a sentença,
Eu sou o senhor de meu destino
Eu sou o capitão de minha alma.