Eu quero ver quando Zumbi chegar

Há uma música de Jorge Benjor, que Ellen Oléria canta divinamente, que me emociona muito e acho que tem tudo a ver com a data de hoje.

Nessa canção, há uma parte que acho fantástica: "eu quero ver quando Zumbi chegar", algo do tipo, "vc tá me batendo, mas espera só quando ele chegar" ou "vc tá me humilhando, mas espera só quando ele vier me defender."

Nesse dia 20 de novembro, essa canção ainda deve fazer sentido pra muita gente no meu país. Com toda a certeza, muitos negros como eu, nos momentos em que estão sendo explorados, humilhados, espancados, discriminados, vilipendiados, trapaceados, devem manter a esperança da chegada de um novo Zumbi. senhor da Guerra, senhor das demandas.

Meus conterrâneos, tenham esperança. Algo novo se avizinha e já podemos escutar a chegada de Zumbi.

Os muito religiosos

Sinceramente, tenho muito medo de pessoas muito religiosas. Elas conseguem ser facilmente enganadas e, por vezes, por tentarem ver o sobrenatural em tudo, esquecem-se do essencialmente material, prejudicando seus semelhantes.

Aquela tarde em BH



Nesta quarta-feira, 09 de julho de 2014, o Brasil se reencontrou com seus fantasmas. Velhos fantasmas.

Educação, saúde, segurança, corrupção e fome voltaram a fazer parte da pauta do Brasil mais uma vez, depois de quase trinta dias de copa do mundo.

Na tarde de ontem, no Mineirão, a seleção alemã fez de pseudo-heróis, meros jogadores de futebol. A nossa ficha finalmente caiu junto com a seleção canarinho e as piadas começaram a ser buscadas pelos mais extrovertidos, sedentos por um lado meramente cômico do desastre ocorrido em BH. Há de se ter um lado positivo em todo esse furdunço que virou o Brasil, alguns pensavam.

Os mais rancorosos, adentraram pelo caminho da violência. Notícias de todos os lados chegavam, trazendo informações sobre quebra-quebra, incêndio de ônibus, arrastão, o que nos mostra que alguns levam muito a sério algo que deveria ser sinônimo de descontração, alegria, união.

Mas também, aquela tarde em BH, um personagem já integrante em definitivo de nossa história, de fato e de direito, pôde encontrar JUSTIÇA. Seu nome, 
Moacir Barbosa Nascimento, ou simplesmente Barbosa, o goleiro que há mais de meio século vem sendo injustiçado por muitos.

Barbosa, falecido em 2000, foi o goleiro da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1950, também realizada em terras tupiniquins. Ele sempre é lembrado quando se aborda exemplos de situações vexatórias no futebol. Quem nunca ouviu falar no "Maracanzo"?

Negro, tímido, pobre, atleta do Vasco da Gama, primeiro time a dar oportunidade a jogadores negros no país, características que fazem de qualquer um, solo fértil para inescrupulosos agressores, Barbosa sempre carregou nos ombros a responsabilidade pela derrota do Brasil, na final da competição. Não defendeu o gol tido por muitos como defensável do uruguaio Ghiggia.

Barbosa, desde 1950 nunca teve uma oportunidade real de defesa que tenha sido dada pelos especialistas da pelota aqui por essa bandas. Quando falavam ou permitiam-no falar, deixavam sempre que pairasse a dúvida pela incompetência do arqueiro no lance e, sendo negro e nós racistas, jogávamos a culpa em Barbosa.  Alguns chegaram ao extremo de reputar desonestidade no lance. Afirmaram que talvez tivesse levado “algum” para falhar na meta brasileira naquela ocasião.

Ontem, ao ver a pomposa seleção brasileira em campo, com seu elenco milionário aos prantos, depois que o goleiro Júlio Cesar encaminhava-se para buscar a sétima bola no fundo de sua trave, tive a certeza de que Barbosa, se estivesse vivo, diria: “não me faltou empenho, não me faltou competência, me faltou sorte”.

Se em um estádio de mais de um bilhão de reais, super confortável, com grama importada e impecável, uma premiação milionária garantida a todos os envolvidos com a seleção, se com toda a estrutura de hotelaria, médico, massagista, uma seleção com dois técnicos campeões mundiais a sua disposição, psicólogos, fisioterapeutas, aqueles atletas deixaram que acontecesse o pior, o inimaginável, por que Barbosa, que fora surpreendido com uma bola cruzada, rasteira, chutada em um gramado totalmente irregular como era o gramado do Maracanã á época, deve ser condenado?

Barbosa, na realidade, deve ser tratado como um injustiçado, assim como, o também saudoso, Armando Nogueira já tentara reparar lá atrás, quando disse:

 Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera.”

Aquela tarde em BH, não pôs fim somente a angústia de um povo, que desde a primeira partida torcia contra a incompetência latente de uma equipe sem cara de vitória e cheia de promessas vindouras.

Aquela tarde em BH, trouxe não só choro, trouxe justiça e redenção a um dos atletas mais rejeitados e injustiçados desde que a bola passou a unir vinte e duas pessoas ao seu redor.
Naquela tarde em BH, o Brasil descobriu que a cela finalmente foi aberta e Barbosa, Moacir Barbosa Nascimentoum dos maiores goleiros do Brasil, foi convidado a deixa-la e em paz.

Barbosa, meu herói, ontem o Brasil foi dormir sabendo, que nunca lhe faltou empenho, nunca lhe faltou competência, lhe faltou sorte.

Siga em paz.


O tempo e as jabuticabas


por Rubem Alves

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.

Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar
da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de
"confrontação", onde "tiramos fatos a limpo".

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo
de secretário geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: "as pessoas não
debatem conteúdos, apenas os rótulos".

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência,
minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua
mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão somente andar ao lado de Deus.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

 O essencial faz a vida valer a pena.”



Invictus


por William Ernest Henley

Dentro da noite que me rodeia
Negra como um poço de lado a lado
Agradeço aos deuses que existem
por minha alma indomável

Sob as garras cruéis das circunstâncias
eu não tremo e nem me desespero
Sob os duros golpes do acaso
Minha cabeça sangra, mas continua erguida

Mais além deste lugar de lágrimas e ira,
Jazem os horrores da sombra.
Mas a ameaça dos anos,
Me encontra e me encontrará, sem medo.

Não importa quão estreito o portão
Quão repleta de castigo a sentença,
Eu sou o senhor de meu destino
Eu sou o capitão de minha alma.


"Apartheid" na cidade de Maceió

Todas as vias da cidade estão fechadas ou fechando.

Vivemos um verdadeiro "apartheid" na cidade de Maceió, provocado única e exclusivamente pelo trânsito, que vem sendo cultivado no caos instituído a cada dia por uma secretaria de trânsito inerte e por vezes criminosa, afinal de contas, tanto é crime fazer como omitir-se do ato.

A coisa que mais se escuta entre os moradores de cima é, que no futuro, não haverá mais qualquer sinal de integração entre a parte alta e baixa da capital alagoana, e que o melhor é que quem trabalha em riba more em riba e os de baixo em baixo, num conformismo que é característico do brasileiro e que se agrava com a nordestinidade já conhecidamente contemplativa em relação às vantagens do sul e sudeste. Parece que gostamos da merda.

Chegará o tempo em que, nós de cima, falaremos de Ponta Verde, Jatiuca, Cruz das almas como litoral. “- Nesse fim de semana vou ao litoral”, tal será a dificuldade de se locomover. Da mesma forma, os que moram em baixo, deverão peregrinar lentamente, é claro, pela Fernandes Lima, para levarem qualquer amigo ou parente ao aeroporto em Rio Largo. Ninguém escapa.

Há de se ser justo, é claro, culpando-se inicialmente o governo federal que tem por foco dar a sensação ao povo humilde de que se iguala aos mais abastados por que passou a ter quatro pneus, dois faróis e um tanque pra encher. Triste povo iludido. Mas também, há que se responsabilizar a administração pública municipal, por sua política de trânsito pobre, limitada, ao tempo em que é também agressiva e sem sentido.
Transformam vielas em avenidas, corredores de ônibus dividem espaço com carroças, burros sem rabo, ambulantes, etc..., imprensando o transeunte indefeso contra córregos, passarelas, calçadas irregulares ou qualquer outra forma de circulação que traga perigo nessa terra sem lei.

A novidade mais recente é a FAIXA AZUL, que talvez seja Azul por que o prefeito da cidade deva ser torcedor do CSA e resolvera homenagear seu clube de coração por toda extensão das turbulentas avenidas Fernandes Lima e Durval de Góes Monteiro, uma vez que a medida, tida por salvadora lá atrás, já perdera todo o sentido e encanto.

DESAPROPRIAR é verbo proibido pelos que fazem a engenharia de trânsito em Maceió. Por quanto tempo mais vão tentar fazer de vielas, ruas e de córregos, pontes? Não se faz política de trânsito, em nenhuma cidade do mundo, sem que espaços sejam desapropriados para que avenidas, viadutos, passarelas e ruas possam surgir.

O senso de serviço, algo já tão raro entre funcionários públicos, ganha tons de arrogância por detrás dos óculos espelhados dos agentes de trânsito, que se acostumaram ao ar-condicionado das viaturas. Além de arrogantes, parecem que estão sempre de férias, uma vez que raramente os vemos pelas ruas.

O transporte público imundo, quente, atrasado, velho e caro, na realidade não transporta nada além de faces infelizes, cansadas e desencorajadas. Não há um só dia em que um ônibus deixe de quebrar e pessoas sejam jogadas no meio fio. Desafiamos à prefeitura para que prove que faltamos com a verdade ao afirma isso. Nunca farão!

E agora, o mais grave dos resultados de todas as políticas incompetentes da Prefeitura de Maceió. As mortes no trânsito. Não param de chegar pelo rádio e internet relatos de pessoas que tiveram suas vidas ceifadas pela ausência de infraestrutura na cidade.
Há, inclusive, muita gente que ganha a vida, ou seja, consegue colocar o pão na mesa de seus filhos, relatando os inúmeros acidentes fatais que ocorrem em Maceió. Não é só coveiro e bispo que lucram com a morte dos outros, não.

E neste caso, nada pode tirar a responsabilidade do poder público. Perdemos filhos, filhos perdem pais, irmãos perdem amigos, vizinhos a cada dia nesse turbilhão que se chama Maceió. É necessário que amemos e falemos do amor para os nossos amados, uma vez que ao saírem pela porta não sabemos se voltarão.
Vivemos uma guerra sem armas cortantes ou pólvora.

Concluímos, sem, no entanto, trazer qualquer boa nova. Ninguém sabe o que fazer. Jornalistas, técnicos, engenheiros, servidores, prefeito e o governador vivem como se fossem os médicos da série “House”, ou seja, vivem “experimentando”. Puxam o meio-fio pra cá, levam-no pra lá, e nada sai do lugar. Qua!, qua!, qua!

A nós, só nos resta contemplar a vida que passa por fora dos vidros dos ônibus ou dos carros ou por trás da cortina de fumaça das descargas sujas, dos que insistem, que sendo indivíduos cada vez mais individuais são mais felizes.

Para Maceió!