A cartomante e o templo


Dia desses, um amigo meu que é empresário, me contou algo que me fez pensar em como as pessoas, até aquelas, que se apresentam como cristãs, mas, digamos assim, não praticantes, veem a igreja e sua função social hoje em dia.

Esse tal amigo me dizia naquela ocasião, que certa vez, vinha passando por uma situação financeira complicadíssima em sua empresa. Daquelas situações de tirar o sono e de já antever uma situação de falência. Ele me dizia que havia estourado todas as contas bancárias suas e de sua empresa, cartões corporativos, pego dinheiro com alguns agiotas, etc...

Depois de me detalhar com mais profundidade a situação, me contou também, que certo dia, compartilhando isso com alguém muito próximo a ele, esta pessoa lhe fez a seguinte pergunta:
- Porque você não procura uma cartomante?. Eu já fiz isso numa situação parecida com a sua e deu certo.

A tal pessoa próxima, inclusive, lhe indicou naquele papo, uma famosa vidente, que já havia visitado.

De posse do nome, telefone e endereço da tal mulher e desesperado com as portas fechadas a sua frente, meu amigo endividado, então resolveu ir ao encontro da tal pessoa.

Chegando ao “consultório” da mística, entrou, sentou e depois de quase uma hora de espera na antessala, esta lhe recebeu. Contou-lhe seus problemas, detalhando os ativos, passivos, credores e demais contornos de seu inferno financeiro. Falou também de sua família, do tal amigo e, então, em determinado momento, a cartomante pediu suas mãos e olhando-as, aponta as famosas linhas de suas palmas e chega a um veredicto, entre caras e bocas:

- O senhor precisa procurar uma igreja. Qualquer uma. Basta passar a frequentar um desses templos e a partir da quarta visita que o senhor fizer, notará uma mudança em toda sua vida.

Isso ele me contava numa roda de amigos, dando, inclusive, conselhos a outras pessoas que estavam na mesma roda de bate-papo. Disse ainda mais:

- Depois de algumas rezas, tudo mudou na minha vida, superei esses problemas financeiros e coloquei tudo no lugar.

Aí, eu perguntei:

- e a igreja? Continua indo lá?
- Nunca mais, disse ele.

Ao ouvir essa história, confesso que passei a me perguntar se realmente, a igreja tinha esse aspecto de amuleto que esse amigo me contava. Não havia ainda percebido, ou não havia parado ainda para refletir sobre possibilidade dessa função existir. O que me chamou mais a atenção, é que, talvez, na ânsia de se moldar ao imediatismo dos que buscam os templos para solução dos seus problemas, as congregações estejam alimentando esse conceito na mente do povo.

Em minha comunidade, por exemplo, existe um momento para que as pessoas se aproximem do púlpito, com a finalidade de que o pastor ore por elas e seus inúmeros e mais diversos problemas. O mais interessante nesse momento, é que venho percebendo, que a cada domingo, os bancos ficam mais e mais vazios nessa parte do culto, ou seja, mais e mais pessoas estão indo à frente e levando consigo suas limitações.

O que acho interessante nisso tudo, e o que me importa frisar nessa parte do texto, é o fato, de que, talvez, a função de amuleto das igrejas, venha atraindo mais e mais pessoas ao templo e isso, me reporta, a um problema, que observo com apreensão nos dias atuais.

Há tempos venho percebendo uma mudança no formato do que se é falado nos púlpitos. O Deus, muitas das vezes “consolador” não está sendo apresentado à congregação. Deixe-me ser mais claro. Percebo, que, nos dias atuais, as igrejas estão muito mais preocupadas em vender, em seus púlpitos, o Deus que cura e que resolve tudo, do qual, eu não posso e nem tenho como duvidar, mas, com isso, esquecem-se do Deus que consola, do Deus que apazigua os ânimos, do Deus que se compadece dos nossos sofrimentos. O Deus que diz: você está no fundo do poço, mas estou com você. Aquele Deus da canção: Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura na mão de Deus e vai... Esse Deus está sendo renegado, está sendo colocado em segundo plano.

A morte, por exemplo, por que tanta preocupação em se vender cura, se todos nós sabemos que dela ninguém há de fugir.

Acabei de escutar uma canção que postaram a pouco, que só fala de vitória. Não, não, mil vezes não.

Um outro aspecto a ser observado nisso tudo que estamos abordando, é que, talvez, o que se está sendo buscado, não está sendo atingido.

Há uns três anos, recebemos o Pr. Alexandre Ximenes em nossa igreja, durante as férias de janeiro. Naquele domingo chuvoso à noite, ele nos falou sobre o poder renovador do evangelho na vida das pessoas.

Naquela mesma palavra, Ximenes foi contundente em afirmar, que sempre esperou, assim como muitos, o dia em que seríamos (os evangélicos) a maioria no Brasil, por que sempre ouvia falar na alegria que viveríamos no Brasil quando ele fosse de Cristo, do nosso Cristo.

Naquele ano, as estatísticas apontavam que os protestantes já eram muitos e naquela mesma noite ele perguntava: - mas onde está a alegria? Por que o evangelho pregado no Brasil não trazia bem estar para o brasileiro? Por que os problemas só se avolumavam, se já éramos tantos? Há alguma coisa de errado conosco. Nisso ele foi categórico.

E ainda naquela mesma noite chuvosa, eu pensava com meus botões, por quê?

O eterno pecador, Reverendo Caio Fábio D’Araújo, já chegou a afirmar no passado da grande tristeza de seu coração quando percebe que algumas pessoas pioram ao se converterem. Ficam mais carrancudas, não se arriscam tanto e nem se doam mais.

Hoje, passado algum tempo e agora, diante da história da cartomante, percebo a que nos reduzimos.

Nós pegamos a figura de um Deus soberano em graça e o transformamos em deus curandeiro, fazedor de milagres, nepotista, que garante emprego aos que o bajulam, independente da qualificação que possuam. Um deus gerente de banco, que faz vista grossa para as nossas falcatruas diárias e, como se não bastasse, ainda nos ajuda a escondê-las, ou seja, um deus pequeno e desonesto.

A esse deusinho eu não sirvo.

Eu sirvo a um Deus que amo independentemente da situação que me encontre, até mesmo por que sei, que mesmo atravessando desertos, ele caminha do meu lado e segurando minha mão. Que mesmo que me tire, e não tira, uma parte do meu corpo, ele me faz chegar em seus braços aonde devo ir. É a esse Deus tremendo que suplico, que mostre a seu povo e permita-lhe ver, que Ele é muito maior do que a própria vida falível que temos.

Sei que a culpa desse viés de curandeirismo, nepotista, de cúmplice com o que é ilegal, é o caminho mais fácil para que os bancos vazios se preencham. Eu também sei que é mais fácil se encher um templo prometendo do que ensinando, mas não posso compactuar com essa irresponsabilidade nem mais um dia.

As igrejas não podem curar, pagar suas contas, nem livrar-lhe da Receita Federal. Nem muito menos podem fazê-lo prosperar em riquezas, nem lhe tornar imortal. No máximo, a igreja pode lhe ajudar a encontrar pessoas que tem tantos ou até, mais problemas que os seus e através da experiência do irmão, lhe fazer mudar de vida ou lhe dar entendimento para conviver com eles.

O Deus Soberano a quem sirvo, às vezes, traça nosso destino, passando pela morte de uma pessoa próxima. Esse mesmo Deus a quem sirvo, muitas das vezes, me faz caminhar pelo deserto do desemprego, a fim de calcificar meus calcanhares, mas mantém a minha cabeça em pé em confiança.

Se o púlpito volver a atos dos apóstolos algum dia, aí sim, poderemos enxergar um Brasil melhor, com crentes felizes em Deus através de Jesus.

Minha palavra aqui não é de desesperança, mas de alegria, no entanto, em determinadas ocasiões, você perceberá, que em Deus, você não encontrará uma resposta positiva ou negativa para sua vida, mas O encontrará caminhando ao seu lado no deserto.

Soli Deo gloria.

Osório.