Justiça barra ação do Ministério Público que pretendia tabelar honorários de advogados

A Justiça Federal de São Paulo barrou uma insólita tentativa de "tabelamento" de honorários advocatícios por parte do Ministério Público Federal. A juíza federal substituta, Karina Lizie Holler, julgou improcedente a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra 10 advogados de Jales por suposta cobrança abusiva de honorários em ações previdenciárias que tramitam na Justiça Federal daquela localidade. A ação civil pública teve origem em procedimento preparatório cível, instaurado pelo procurador da República Thiago Lacerda Nobre, para apurar a suposta cobrança de honorários indevidos ou acima do limite legal em ações que tramitaram na Justiça Federal de Jales e na Justiça do Trabalho.
Ao mesmo tempo em que instaurou o procedimento preparatório, o procurador emitiu a Recomendação nº 94/2010 , por meio da qual determinou ao presidente da subseção da OAB de Jales que diligenciasse "junto às justiças Federal e do Trabalho, buscando informações acerca dos advogados que praticam cobrança abusiva de honorários, procedendo incontinenti com as medidas cabíveis no campo da ética e disciplina".
O espectro da "recomendação" assinada por Nobre determinava ainda à OAB de Jales que promovesse medidas para a "orientação" dos advogados para evitar uma suposta cobrança "imoderada" de honorários. O procurador pretendia ainda que a Ordem gastasse um bom dinheiro. "Para a adoção das medidas do item anterior, deverá proceder comunicação dos profissionais, seja mediante utilização de veículos de imprensa e/ou meios de comunicação social (inclusive com a confecção de cartazes que deverão ser afixados na sede da OAB, bem como nas Salas da OAB nos prédios das justiças, Federal, Estadual e do Trabalho), seja mediante comunicação a ser remetida, individualmente, a cada advogado".
Por ser elaborada de forma unilateral, no âmbito do MPF, sem o crivo do contraditório, a "recomendação" não constitui uma obrigação a ser seguida por pessoas, empresas ou instituições.
A Justiça considerou totalmente indevida a intromissão do Ministério Público no teor das relações privadas entre advogados e clientes. Na sentença (leia a íntegra abaixo), a juíza afirma que "não compete ao Ministério Público Federal imiscuir-se nas relações contratuais entabuladas entre o causídico e seu cliente". Na opinião da magistrada, a ingerência" no conteúdo dos contratos de prestação de serviço representam séria ofensa ao princípio da autonomia da vontade, não havendo amparo legal para que se impeça a população de contratar profissional suspeito de abusos, para se limitar o conteúdo da avença ou ainda para se impedir o cumprimento de cláusulas contratuais previamente acordadas".
Segundo a juíza Karina Holler, em casos de eventuais abusos, cabe ao "órgão de classe da categoria sua fiscalização, devendo aquele que se sinta prejudicado levar sua irresignação ao conhecimento daquela".
Via inadequada
A magistrada assinala a inadequadação da via escolhida pelo procurador. Karina ressalva que a ação civil pública destina-se à proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos. "No caso concreto os direitos cuja tutela se pretende certamente não são difusos, nem coletivos", afirma. "Pertencem a pequeno número de pessoas, determinadas ou determináveis. Sequer é possível o reconhecimento da presença de direitos individuais homogêneos, pois são vários os acusados das práticas abusivas."
"Como o texto de lei requer a mesma origem da lesão para que reste caracterizada a existência de direito individual homogêneo", prossegue Karina,"a presença de vários legitimados passivos fulmina de pronto tal exigência". Além disso, os interesses envolvidos possuem cunho eminente patrimonial, ou seja, são disponíveis, enfatiza a magistrada.
Para o vice-presidente da OAB SP, Marcos da Costa, a extinção do processo, sem julgamento de mérito é uma vitória da legalidade. "Foge da esfera de atuação do procurador federal em Jales promover medidas visando estabelecer parâmetros para a cobrança de honorários advocatícios, que devem ser livremente pactuados entre o advogado e o cliente, como prevê art. 22, parágrafo 2º do Estatuto da Advocacia".
Marcos da Costa destaca, ainda, que nos casos de comprovado abuso de cobrança de honorários, a questão passa a ser da competência exclusiva do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, para analisar a conduta ético-disciplinar do advogado no exercício profissional e proceder a punição, se for o caso. "Isso foi reconhecido pela juíza, ao afirmar na sentença que "se abusos existem, toca ao órgão de classe da categoria sua fiscalização".
Na sua decisão, a juíza também ressalta que a ação civil pública conflita com a própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que só admite a defesa coletiva por parte do órgão de causas que visem proteger os interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.
O presidente da Subsecção da Jales, Aislan de Queiroga Trigo também comemorou a decisão. "Foi uma vitória para a advocacia, já que não podemos admitir o controle dos honorários advocatícios por parte de terceiros. A sentença demonstrou a seriedade do trabalho da Justiça Federal". Para o conselheiro Carlos Alberto Expedito de Britto Neto, a decisão da "Justiça Federal reparou uma injustiça contra os advogados por entendimento equivocado por parte do procurador federal de Jales".
Conflito
A questão dos honorários em Jales virou um conflito entre a diretoria da OAB local e o procurador federal em Jales, Thiago Lacerda Nobre, quando este exigiu que a Subsecção quebrasse o sigilo dos processos éticos da subseção e que informasse nome e tema tratado em reunião de advogados ocorrida na sede da OAB local. A Subsecção de Jales negou os pedidos e encaminhou representação contra o procurador à Corregedoria Geral do Ministério Público Federal, por entender que seus atos ultrapassavam os limites de suas atribuições, já que tentava intervir na autonomia da Ordem, inclusive deliberar sobre honorários advocatícios.
O procurador da República, por sua vez, requisitou a instauração de processo crime junto à Delegacia da Polícia Federal em Jales, para apurar crime de calúnia, em razão de matéria jornalística, na qual o conselheiro seccional local reclamava de seu comportamento, quando requisitou da OAB informações contidas em livros oficiais da instituição.
Em razão desses episódios, o Conselho Seccional da OAB aprovou, por unanimidade, a realização de sessão de Desagravo para a Diretoria de Jales e para o conselheiro Carlos Alberto Expedito de Britto Neto, realizada em 10 de março desse ano, na Câmara Municipal de Jales. O ato buscou uma reparação moral aos ofendidos pelo procurador federal de Jales. Compareceram ao Desagravo, o presidente da OAB SP, Luiz Flávio Borges D Urso, o vice-presidente, Marcos da Costa, Conselheiros Seccionais da região e 18 presidentes de Subsecções, além de magistrados e autoridades do Executivo e Legislativo.
Antes de Nobre ingressar com a ação, a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal divulgou diversos comunicados à mídia. Os textos divulgaram a "recomendação" e o nome de um dos advogados acusados das supostas cobranças indevidas de honorários. A exposição pública do nome do advogado, antes que as acusações sejam confirmadas por decisões do Poder Judiciário transitadas em julgado, pode trazer sérios prejuízos à imagem do profissional.
Honorários não são gorjeta
A preocupação do Ministério Público Federal com o montante dos honorários dos advogados ocorre um momento em que as lideranças da classe iniciam nova mobilização contra o achatamento dos honorários advocatícios. A AASP - Associação dos Advogados de São Paulo - deflagrou a campanha "Honorários não são gorjeta", por meio de um texto contundente, que classifica de "larmante e revoltante" decisões judiciais que arbitram honorários em valores irrisórios.
"No momento de vitória, conquista do direito de seu cliente, a Advogada e o Advogado vêm se deparando, com impressionante contumácia, com decisões que arbitram honorários de sucumbência em valores ínfimos e outras que os reduzem drasticamente", diz o editorial divulgado pela AASP em seu portal.
Marcos da Costa afirma que a OAB está mobilizada para levar apoiar os projetos de lei que asseguram a adequada remuneração aos advogados, que muitas vezes enfrentam longas e duras batalhas, ao longo de vários anos, até obter resultados favoráveis ao cliente e se surpreendem com a redução injustificada dos honorários fixados judicialmente. "O aviltamento dos honorários levam ao injustificado enfraquecimento do exercício da advocacia, com situações que descapitalizam o advogado e representam um desestímulo ao profissional", critica o vice-presidente da OAB paulista.